
Na declaração final da cúpula do G20 realizada no Brasil no fim do ano passado, os líderes mundiais fizeram um apelo para a criação de bases que impulsionem o desenvolvimento da economia criativa.
Os signatários do documento destacaram a necessidade de um engajamento global em torno do fortalecimento da Propriedade Intelectual (PI) e de sua adaptação a desafios contemporâneos como o avanço da sociedade digital e da Inteligência Artificial.
Antes de falarmos mais sobre o papel da PI e seus principais desafios neste contexto, é necessário entendermos melhor a economia criativa.
De modo geral, esse modelo econômico é ancorado em uma organização de sociedade que tem a criatividade e a inovação como seus principais pilares, não apenas para fins econômicos, mas também para o fortalecimento da identidade e da cultura de um país, suas diversas regiões e, claro, os vários grupos nos quais se organizam sua população.
Mas o que isso significa na prática?
Bom, essa pergunta é fundamental, já que, não raramente, o modelo é ligado às atividades culturais e artísticas, abordagem que ignora sua relação estreita com setores como o da indústria e o da tecnologia.
Propriedade Intelectual é centro do modelo, mas tem de superar desafios para ser ainda mais efetiva
Como o G20 destacou, o desenvolvimento sustentável da economia criativa só se dará quando ela estiver ancorada em um sistema que promova o pagamento justo aos responsáveis pela criação de bens imateriais e, muitas vezes, simbólicos e intangíveis.
Para isso, a Propriedade Intelectual, por meio de mecanismos como os Direitos Autorais e a Propriedade Industrial, é um elemento indispensável.
Afinal, é ela que protege os direitos de pessoas, grupos e/ou empresas em relação à exploração de obras, produtos ou processos que eles criaram ou aprimoraram de modo significativo.
Embora a PI, tal como é constituída hoje, já seja um mecanismo central na economia criativa, ela precisará evoluir em termos regulatórios para seguir protegendo e recompensando quem se dedica à criatividade e à inovação.
O avanço da Inteligência Artificial (IA) Generativa, por exemplo, ainda é um campo nebuloso — a começar pelo alegado uso constante de obras protegidas por Direito Autoral nos treinamentos de suas plataformas, prática que desemboca em sua capacidade de replicar estilos e “criar obras” derivadas de criações que foram incorporadas em seu banco de dados.
Para mensurarmos as dificuldades de avanços nesta pauta, basta nos lembrarmos das polêmicas que têm cercado a tentativa de criação de uma espécie de Marco Legal da Inteligência Artificial no Brasil.
Ao observarem que o texto aprovado pelo Senado exigia remuneração aos autores de obras e trabalhos utilizados nos treinamentos das ferramentas de IA, representantes e entusiastas da indústria da tecnologia se mobilizaram para afirmar que o mecanismo inviabilizaria o desenvolvimento da tecnologia no país.
Ou seja, atestaram que, para ser viável, a evolução da IA Generativa depende de um funcionamento à margem das aplicações gerais da Propriedade Intelectual.
Os desafios da adaptação da PI no ambiente digital, não param na Inteligência Artificial. As redes sociais também geram impasse.
Em 2024, por exemplo, observamos processos causados não só pela replicação de conteúdos sem a devida autorização e até crédito como também por cenários em que influenciadores acusaram seus pares de plágio por uma suposta cópia de “identidade e linguagem”, queixa mais subjetiva e que exige maior complexidade (e mais mecanismos) de análise.
Adaptação da PI deve ir além da resolução de impasses
Ter mecanismos claros para orientar o comportamento no ambiente digital e julgar as possíveis violações é fundamental. No entanto, para cumprir o seu papel de motor do desenvolvimento da economia criativa no mundo, a Propriedade Intelectual deve ir além.
É necessário, também, aprimorar a remuneração de criações no ambiente digital por meio de possíveis expansões de possibilidades do Direito Autoral, algo que já ocorreu no fim do século passado quando, por exemplo, a Lei do Software incluiu os programas de computador nesse escopo de proteção.
Cabe a nós seguirmos evoluindo. E, para terminar com um tom otimista, o fato de os líderes mundiais reforçarem essa necessidade em uma das principais plataformas de discussão mais importantes do nosso calendário diplomático mostra que estamos no caminho certo.